por Leonardo Boff
O que decide o destino de nossa vida é o sonho que
alimentamos e o que fazemos para realizá-lo. Por isso os sonhos são da maior
importância. Morrem as ideologias e envelhecem as filosofias. Mas os sonhos
permanecem. São eles o húmus que permite continuamente projetar novos projetos
pessoais novas formas de convivência social e de relação para com a natureza.
1.Qual é o nosso sonho do homem branco
Com acerto escrevia o cacique pele vermelho Seattle, ao
governador Stevens, do Estado de Washington em l856, quando este forçou a venda
das terras indígenas aos colonizadores europeus. O cacique, com razão, não
entendia por que se queria comprar a terra e com ela, a aragem, o verde das
plantas e o esplendor da paisagem. Neste contexto refletia que os peles
vermelhas compreenderiam o por quê e a civilização dos brancos “se conhecessem
os sonhos do homem branco, se soubessem quais as esperanças que transmite a
seus filhos e filhas nas longas noites de inverno e quais as visões de futuro
que oferece para o dia de amanhã”.
O que o cacique sequer imaginava é que o homem branco no
lugar do sonho, esperanças e visões havia colocado a vontade de dominação da
Terra e das pessoas, as máquinas, os bancos, os computadores, as armas de
destruição em massa, isto é, projetos que implicam a devastação da natureza e
da vida.
Hoje o que urgentemente precisamos não é de mais ciência e
de mais técnica para aumentar nossa dominação da natureza e com isso fazer
crescer nossa riqueza, especialmente, nas bolsas e nos mercados especulativos.
O que precisamos, de verdade, sem dispensar a ciência e a técnica, é de um
sonho bom que possa galvanizar as mentes e nos levar a práticas inovadoras.
Então: qual é o nosso sonho? Que esperança transmitimos aos
jovens? Que visões de futuro ocupam as mentes e o imaginário coletivo através
das escolas, dos meios de comunicação, da internet, dos facebooks, dos twitters
e de nossa capacidade de criar valores?
As respostas a estas indagações geram um novo padrão
civilizatório, radicalmente diferente daquele vigente. Descendo ao concreto do
dia-a-dia, face às transformações que atingem os fundamentos de nossa
civilização atual indagamos: Quais são os atores sociais que propõem um novo
sonho histórico e desenham um novo horizonte de esperança?
2. Quem vai realizar os sonhos?
Quem são os sujeitos coletivos, construtores da nova
civilização? Sem detalharmos a resposta podemos dizer que eles se encontram em
todas as culturas e em todos os quadrantes da Terra. Eles irrompem de todos os
estratos sociais e de todas as tradições espirituais. Eles estão em todas as
partes.
Mas principalmente são os que se sentem insatisfeitos com o
atual modo de viver, de trabalhar, de sofrer, de se alegrar e de morrer, em
particular, os excluídos, oprimidos e marginalizados. São aqueles que, mesmo
dando pequenos passos, ensaiam um comportamento alternativo e enunciam
pensamentos criadores. São ainda aqueles que ousam organizar-se ao redor de
certas buscas, de certos níveis de consciência, de certos valores, de certas
práticas e de certos sonhos, de certa veneração do Mistério e juntos começam a
criar visões e convicções que irradiam uma nova vitalidade em tudo o que
pensam, projetam, fazem e celebram.
Por tais sendeiros desponta a nova civilização que será de
agora em diante não mais regional, mas coletiva e planetária, e esperamos, que
signifique a superação histórica do atual capitalismo na sua forma neoliberal e
globalizada e, por isso, mais solidária, mais ecológica, mais integradora e
mais espiritual.
3.A civilização da re-ligação
Que nome vamos dar ao novo que está emergindo? Ensaiamos uma
resposta: será uma civilização mais sintonizada com a lei fundamental do
universo que é a interconexão de todos com todos, a sinergia e a
complementaridade, valores sistematicamente negados pela cultura do capital,
profundamente individualista. Será, numa palavra, a civilização da re-ligação
de tudo com tudo e de todos com todos. Por isso será uma civilização que dará
centralidade à re-ligião, não simplesmente como uma instituição consagrada, mas
como uma espiritualidade. O que se opõe à religião não é a irreligão ou o
ateismo. É a falta de conexão, o sentir-se perdido neste mundo. Entendo aqui a
re-ligião em seu sentido originário e não confessional como aquela instância
que se propõe a criar uma centralidade no ser humano, a re-ligar todas as
coisas entre si porque percebe o Todo uno, diverso e complexo e o vê re-ligado
ubilicalmente à Energia de Fundo que sustenta o inteiro universo e que podemos
chamar também de Fonte Originária de todo Ser.
Esta civilização será re-ligiosa e espiritual ou não será.
Deverá ser aquela experiência radical que consiga re-ligar todas as coisas e
gestar um sentido de totalidade e de integração. Então poderá surgir a
civilização da etapa planetária, da sociedade terrenal, a primeira civilização
da humanidade como humanidade.
Sentir-nos-emos todos enredados numa mesma consciência
coletiva, com um sentido concreto de cuidado de nossa Mãe Terra, assumindo uma
mesma responsabilidade comum, dentro de uma mesma e única arca de Noé que é a
nave espacial azul-branca, a Casa Comum. Esta nova civilização não é apenas um
desiderato e um sonho ridente. Ela está em curso. Está madurando. Como disse um
pensador francês:”nada mais poderoso do que uma idéia que chegou a sua hora de
realização”. A hora poderá demorar, mas virá
Nenhum comentário:
Postar um comentário