domingo, 15 de julho de 2012

Perdas


Dos apegos às perdas, os passos desta humanidade seguem trôpegos sobre as redes da posse ilusória.
Eu ainda não era nascida, mas os registros da Grande Depressão, como ficou conhecido o período que sucedeu a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, de 1929 a 1933, ficou marcado na história como um dos maiores acessos de loucura coletiva, registrando um número alarmante de suicídios.
Em 29, os Estados Unidos representavam pouco mais de 44% da PIM (Produção Industrial Mundial) e a quebra da bolsa foi não apenas uma quebra financeira, mas também um furacão psíquico que abalou terrivelmente a fé norte-americana no progresso. Todo o país vinha de uma década de investimentos em ritmo acelerado de produção tanto industrial quanto agrícola, refazendo-se da tormenta e dos estragos causados pela Primeira Guerra Mundial, e a quebra da bolsa fez cair por terra os frutos desse empenho todo, levando Nova Iorque à bancarrota.
A ocorrência atingiu indiretamente o mundo inteiro, por conseqüência do poderio econômico que os Estados Unidos representavam à época.
Hoje, o escândalo que emerge do ventre da bolsa nova-iorquina de valores antevê, temeroso, não uma depressão como aquela de 20, mas algo de proporções semelhantes, se encarrilhado a ele estiver um grande colapso das empresas de crédito. Pois, mesmo representando apenas pouco mais de 18% da Produção Industrial Mundial atual e em situação econômica inferior às potências ascendentes China e índia, os Estados Unidos ainda estigmatizam o mundo, sobretudo a parte ocidental, com sua ostentação opressiva.
Os jogos de poder que embasaram e ainda embasam o comportamento ocidental com relação à mentira, opulência e disputa pelo melhor status econômico não são de outra autoria senão da própria tendência humana, em especial, do capitalismo consumista, em se apossar e se apegar às coisas e pessoas.
Ter foi um verbo tão valorizado nos períodos pós-guerras, que fincou suas raízes no psiquismo humano de tal forma que não é fácil se desvencilhar da idéia de querer possuir o que se gosta e o que se deseja, não importando se são produtos de consumo, bens imóveis, valores em espécie, idéias ou pessoas. O pior é que, mesmo no último caso, o dinheiro é o canal alimentador da posse.
Há décadas as pessoas vem sendo valorizadas mais pelo dinheiro que possuem, pelo seu poder de compra, do que pelos valores que desenvolve. Aliás, quando uma pessoa é dotada de grande valor moral e a bondade, como foi, por exemplo, Chico Xavier, exige-se desta que se baste apenas com suas virtudes. Santificam-no para depois controlar seus ganhos, suas ações e até julgar-lhe as intenções, numa proibição implícita de que tal pessoa amealhe bens materiais. Isto, sem dúvida, é um reflexo da mesma velha mania de julgar o progresso alheio.
Mas não é só isso. É notório que o ser humano comum não sabe lidar com suas perdas. Perdem os santos e abandonam sua fé ou a vendem pela bagatela de uma crença qualquer. Perdem seus afetos e vendem ou desperdiçam sua moral. Perdem suas posses e abandonam sua auto-estima.
A questão é: mesmo na iminência de grandes eventos, catastróficos ou abençoados, dependendo do que os olhos da alma focam, mesmo em meio a tanta sabedoria e revelação jorradas aos punhados em nosso seio, estarão o homem e a mulher de hoje dispostos a abrir mão de suas posses e apegos e prosseguir pela senda estreita que conduz à libertação, ao amor, a Deus?
Eu, particularmente, me contentaria se ao menos a reflexão conduzisse o ser humano para a troca do "ter" pelo "compartilhar". Só assim as mentes brilhantes de pessoas bem-intencionadas não padeceriam, neste instante em que muito se necessita delas, diante do ultraje do preconceito econômico. Que sabe, até, os opulentos deixassem de sofrer suas perdas nas bolsas das grandes potências mundiais para e fossem financiar com alegria as pessoas de bem? Certamente, teriam um lucro certo: um futuro possível para esta humanidade!
 
Lucia Roberta Mello 

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