Dos apegos às
perdas, os passos desta humanidade seguem trôpegos sobre as redes da posse
ilusória.
Eu ainda não era
nascida, mas os registros da Grande Depressão, como ficou conhecido o período
que sucedeu a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, de 1929 a 1933, ficou
marcado na história como um dos maiores acessos de loucura coletiva,
registrando um número alarmante de suicídios.
Em 29, os Estados
Unidos representavam pouco mais de 44% da PIM (Produção Industrial Mundial) e a
quebra da bolsa foi não apenas uma quebra financeira, mas também um furacão
psíquico que abalou terrivelmente a fé norte-americana no progresso. Todo o
país vinha de uma década de investimentos em ritmo acelerado de produção tanto
industrial quanto agrícola, refazendo-se da tormenta e dos estragos causados
pela Primeira Guerra Mundial, e a quebra da bolsa fez cair por terra os frutos
desse empenho todo, levando Nova Iorque à bancarrota.
A ocorrência
atingiu indiretamente o mundo inteiro, por conseqüência do poderio econômico
que os Estados Unidos representavam à época.
Hoje, o escândalo
que emerge do ventre da bolsa nova-iorquina de valores antevê, temeroso, não
uma depressão como aquela de 20, mas algo de proporções semelhantes, se
encarrilhado a ele estiver um grande colapso das empresas de crédito. Pois,
mesmo representando apenas pouco mais de 18% da Produção Industrial Mundial
atual e em situação econômica inferior às potências ascendentes China e índia,
os Estados Unidos ainda estigmatizam o mundo, sobretudo a parte ocidental, com
sua ostentação opressiva.
Os jogos de poder
que embasaram e ainda embasam o comportamento ocidental com relação à mentira,
opulência e disputa pelo melhor status econômico não são de outra autoria senão
da própria tendência humana, em especial, do capitalismo consumista, em se
apossar e se apegar às coisas e pessoas.
Ter foi um verbo
tão valorizado nos períodos pós-guerras, que fincou suas raízes no psiquismo
humano de tal forma que não é fácil se desvencilhar da idéia de querer possuir
o que se gosta e o que se deseja, não importando se são produtos de consumo,
bens imóveis, valores em espécie, idéias ou pessoas. O pior é que, mesmo no
último caso, o dinheiro é o canal alimentador da posse.
Há décadas as
pessoas vem sendo valorizadas mais pelo dinheiro que possuem, pelo seu poder de
compra, do que pelos valores que desenvolve. Aliás, quando uma pessoa é dotada
de grande valor moral e a bondade, como foi, por exemplo, Chico Xavier,
exige-se desta que se baste apenas com suas virtudes. Santificam-no para depois
controlar seus ganhos, suas ações e até julgar-lhe as intenções, numa proibição
implícita de que tal pessoa amealhe bens materiais. Isto, sem dúvida, é um
reflexo da mesma velha mania de julgar o progresso alheio.
Mas não é só isso.
É notório que o ser humano comum não sabe lidar com suas perdas. Perdem os
santos e abandonam sua fé ou a vendem pela bagatela de uma crença qualquer.
Perdem seus afetos e vendem ou desperdiçam sua moral. Perdem suas posses e
abandonam sua auto-estima.
A questão é: mesmo
na iminência de grandes eventos, catastróficos ou abençoados, dependendo do que
os olhos da alma focam, mesmo em meio a tanta sabedoria e revelação jorradas
aos punhados em nosso seio, estarão o homem e a mulher de hoje dispostos a
abrir mão de suas posses e apegos e prosseguir pela senda estreita que conduz à
libertação, ao amor, a Deus?
Eu,
particularmente, me contentaria se ao menos a reflexão conduzisse o ser humano
para a troca do "ter" pelo "compartilhar". Só assim as
mentes brilhantes de pessoas bem-intencionadas não padeceriam, neste instante
em que muito se necessita delas, diante do ultraje do preconceito econômico.
Que sabe, até, os opulentos deixassem de sofrer suas perdas nas bolsas das
grandes potências mundiais para e fossem financiar com alegria as pessoas de
bem? Certamente, teriam um lucro certo: um futuro possível para esta
humanidade!
Lucia Roberta Mello
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