quarta-feira, 26 de junho de 2013

OS ANIMAIS NO XAMANISMO KATUKINA - Parte 3

Edilene Coffaci de Lima
Depto de Antropologia/UFPR
Doutoranda no PPGAS/USP

Tabus Alimentares

Como disse no início, a maior parte das doenças têm suas causas relacionadas ao desrespeito aos tabus alimentares. Estes incidem sobre animais e, em menor medida, também sobre os vegetais. A seguir, limito-me, para não me alongar demasiadamente, a apresentar as restrições aos alimentos de origem animal.
Dentre os mamíferos, os Katukina comem: capivara (ame), paca (ano), paca-de-rabo (kestavo), veado (txasho), porquinho (hono), queixada (yawa), anta (awa), macaco-preto (iso), guariba (ro'o), soim (shipi), macaco-da-noite (nesho), zogue-zogue (paka roka), macaco-prego (shino kuin), cairara (shino manã), paruacu (roka voshpo), macaco-de-cheiro (wasa), tatu (yawish), tatu-canastra (pano), tatu-rabo-de-couro (kãsho) e coatipuru (kapa). Destes, os mais apreciados são a queixada e o porquinho, pela grande quantidade de gordura que têm.
Outros animais são controversos quanto ao uso alimentar, pois há quem os tenha como alimento legítimo e quem afirme o contrário, tal é o caso da irara (voka), da onça-vermelha (kamã hõshi) e do coelho (maka pãtxoya).
Os Katukina não comem mambira (vi'i) tamanduá-bandeira (sha’e), preguiça (nõi), rato (maka), mucura (pisi mashõ), cuandu (isã), cachorro-do-mato (kamã), gato-do-mato (ketsi), onça-pintada (kamã keneya) e ariranha (hene kamã). Todos considerados repulsivos, com exceção da preguiça, que não é comestível por não ser considerada um animal, mas um espírito, yuxin.
Há também certos animais e peixes que são consumidos exclusivamente por pessoas de uma certa classe de idade, tal é o caso do soim (shipi), que segundo os Katukina só podem ser comidos por pessoas velhas (sheneya). Há duas explicações para esse restrição: alguns dizem que se crianças e jovens comerem o soim terão logo cabelos brancos e também muita preguiça, outros dizem que crianças não podem comer devido ao pequeno tamanho do soim e que elas não cresceriam e teriam muita preguiça. Igualmente, as crianças não podem comer tartaruga de igapó (nesho) e tatu-rabo-de-couro (kãsho). Os Katukina dizem que se as crianças comem tatu-rabo-de-couro não tomam banho e se comem tartaruga de igapó, além de não tomarem banho, querem ficar expostas ao sol. Entre os peixes, é dito que a piranha (maki) não deve ser consumida por crianças e jovens até aproximadamente 20 anos, pois causa dores nas costas que, no futuro, os impedem de trabalhar. O mandim-pintadinho (yoma) e o mandim-dourado (kanai), se consumidos por crianças e jovens, causam preguiça.
Estas proibições são justificadas por referência aos hábitos e características que reconhecem nos animais: a agitação dos macacos faz com que as crianças não durmam à noite e o cheiro dos buracos onde são encontrados os tatus-rabo-de-couro é associado à sujeira e à falta de banhos, que está relacionada à preguiça e ao desmazelo. Entretanto, na outra ponta, temos animais cujo consumo pode despertar hábitos e características apreciados. Esfregar o tutano (napo) do veado (txasho) nas pernas das crianças pode fazer com que aprendam mais rápido a andar. O sangue do tatu-canastra (pano) na testa das crianças, pode fazer com que vivam muitos anos. Comer a cabeça do pica-pau (voi) pode preparar os meninos para, no futuro, derrubarem árvores, acertando as partes ocas, e prepararem os roçados.
Curiosamente, os Katukina parecem ter abandonado a prática de tentar despertar nas crianças as qualidades valorizadas em alguns animais. Em todo período de campo, não vi tutano de veado ser esfregado nas pernas das crianças nem pica-pau ser abatido para que os meninos comessem a cabeça. Seja como for, insiste-se muito na proibição de crianças comerem a carne de animais cujas características são desprezadas ou perturbadoras. Inúmeras vezes vi crianças chorando, pedindo aos pais ou avós para que lhes deixassem comer, ao menos um pequeno pedaço, alguma carne que lhes era proibida, mas nunca vi terem seus pedidos atendidos.

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