Edilene Coffaci de Lima
Depto de Antropologia/UFPR
Doutoranda no PPGAS/USP
Tabus Alimentares
Como disse no
início, a maior parte das doenças têm suas causas relacionadas ao desrespeito
aos tabus alimentares. Estes incidem sobre animais e, em menor medida, também
sobre os vegetais. A seguir, limito-me, para não me alongar demasiadamente, a
apresentar as restrições aos alimentos de origem animal.
Dentre os
mamíferos, os Katukina comem: capivara (ame),
paca (ano), paca-de-rabo (kestavo), veado (txasho), porquinho (hono),
queixada (yawa), anta (awa), macaco-preto (iso), guariba (ro'o),
soim (shipi), macaco-da-noite (nesho), zogue-zogue (paka roka), macaco-prego (shino kuin), cairara (shino manã), paruacu (roka voshpo), macaco-de-cheiro (wasa), tatu (yawish), tatu-canastra (pano),
tatu-rabo-de-couro (kãsho) e
coatipuru (kapa). Destes, os mais
apreciados são a queixada e o porquinho, pela grande quantidade de gordura que
têm.
Outros animais
são controversos quanto ao uso alimentar, pois há quem os tenha como alimento
legítimo e quem afirme o contrário, tal é o caso da irara (voka), da onça-vermelha (kamã
hõshi) e do coelho (maka pãtxoya).
Os Katukina não
comem mambira (vi'i)
tamanduá-bandeira (sha’e), preguiça (nõi), rato (maka), mucura (pisi mashõ),
cuandu (isã), cachorro-do-mato (kamã), gato-do-mato (ketsi), onça-pintada (kamã keneya) e ariranha (hene kamã). Todos considerados
repulsivos, com exceção da preguiça, que não é comestível por não ser
considerada um animal, mas um espírito, yuxin.
Há também
certos animais e peixes que são consumidos exclusivamente por pessoas de uma
certa classe de idade, tal é o caso do soim (shipi), que segundo os Katukina só podem ser comidos por pessoas
velhas (sheneya). Há duas explicações
para esse restrição: alguns dizem que se crianças e jovens comerem o soim terão
logo cabelos brancos e também muita preguiça, outros dizem que crianças não
podem comer devido ao pequeno tamanho do soim e que elas não cresceriam e
teriam muita preguiça. Igualmente, as crianças não podem comer tartaruga de
igapó (nesho) e tatu-rabo-de-couro (kãsho). Os Katukina dizem que se as
crianças comem tatu-rabo-de-couro não tomam banho e se comem tartaruga de
igapó, além de não tomarem banho, querem ficar expostas ao sol. Entre os peixes, é dito que a piranha (maki) não deve ser consumida por
crianças e jovens até aproximadamente 20 anos, pois causa dores nas costas que,
no futuro, os impedem de trabalhar. O mandim-pintadinho (yoma) e o mandim-dourado (kanai),
se consumidos por crianças e jovens, causam preguiça.
Estas proibições são justificadas por referência
aos hábitos e características que reconhecem nos animais: a agitação dos
macacos faz com que as crianças não durmam à noite e o cheiro dos buracos onde
são encontrados os tatus-rabo-de-couro é associado à sujeira e à falta de
banhos, que está relacionada à preguiça e ao desmazelo. Entretanto, na outra
ponta, temos animais cujo consumo pode despertar hábitos e características
apreciados. Esfregar o tutano (napo)
do veado (txasho) nas pernas das
crianças pode fazer com que aprendam mais rápido a andar. O sangue do
tatu-canastra (pano) na testa das
crianças, pode fazer com que vivam muitos anos. Comer a cabeça do pica-pau (voi) pode preparar os meninos para, no
futuro, derrubarem árvores, acertando as partes ocas, e prepararem os roçados.
Curiosamente, os Katukina parecem ter
abandonado a prática de tentar despertar nas crianças as qualidades valorizadas
em alguns animais. Em todo período de campo, não vi tutano de veado ser
esfregado nas pernas das crianças nem pica-pau ser abatido para que os meninos
comessem a cabeça. Seja como for, insiste-se muito na proibição de crianças
comerem a carne de animais cujas características são desprezadas ou
perturbadoras. Inúmeras vezes vi crianças chorando, pedindo aos pais ou avós
para que lhes deixassem comer, ao menos um pequeno pedaço, alguma carne que
lhes era proibida, mas nunca vi terem seus pedidos atendidos.
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