quarta-feira, 16 de maio de 2012

Saravá, Umbanda! Religião brasileira, com certeza


Saravá! Há mais de 100 anos, no dia 15 de novembro de 1908, nascia a Umbanda, religião brasileira, com certeza. O fato histórico aconteceu em um centro espírita kardecista, na cidade de Niterói, então capital do antigo Estado do Rio de Janeiro. Uma divindade surpreendeu os médiuns e assistentes, falando pela boca de um jovem de 17 anos, Zélio Fernandino de Morais. Era caboclo. Ele anunciou: “(…) se quiserem saber o meu nome, que seja este: Caboclo das Sete Encruzilhadas, porque não haverá caminhos fechados para mim.” Antes da manifestação, vários médiuns foram “tomados” por entidades que falavam como indígenas aculturados e ex-escravos e seus primeiros descendentes no Brasil. Zélio, que ali fora em busca de saúde para o corpo, levantou-se da sala, saiu ao jardim da casa e voltou com uma rosa nas mãos. Logo também foi “tomado”.
Um dos médiuns videntes perguntou a ele: “Por que o irmão fala nesses termos pretendendo que esta mesa aceite a manifestação de espíritos que, pelo grau de cultura que tiveram quando encarnados, são claramente atrasados?” Altivo, o Caboclo das Sete Encruzilhadas respondeu ao dirigente kardecista: “se julgam atrasados esses espíritos dos pretos e dos índios, devo dizer que amanhã estarei em casa deste “aparelho” (Zélio) para dar início a um culto em que esses pretos e esses índios poderão dar sua mensagem e, assim, cumprir a missão que o plano espiritual lhes confiou. Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados ou desencarnados.” O dirigente voltou a indagar: “julga o irmão que alguém irá assistir ao seu culto?” Direto, soberano, o Caboclo das Sete Encruzilhadas respondeu: “cada colina de Niterói atuará como porta-voz, anunciando o culto que amanhã iniciarei”.

Em 1975, Zélio Fernandino de Morais deu entrevista à revista Seleções de Umbanda sobre o que aconteceu no dia 15 e no dia seguinte, 24 horas depois da fundação da Umbanda: “em casa de minha família, na rua Floriano Peixoto, 30, em Neves (bairro da cidade) , ao se aproximar a hora marcada, 8 da noite, já se reuniam os membros da Federação Espírita do Estado, seguramente para comprovar a veracidade do que fora declarado na véspera, os parentes mais chegados, amigos, vizinhos e, do lado de fora, grande número de desconhecidos”. Logo, manifestou-se o Caboclo das Sete Encruzilhadas. Disse ele que a prática do culto teria por base o Evangelho de Cristo e, como mestre supremo, Jesus.
“A casa de trabalhos espirituais, que no momento se fundava, recebeu o nome de Nossa Senhora da Piedade, porque assim como Maria acolheu o Filho nos braços, também seriam acolhidos, como filhos, todos os que necessitassem de ajuda e de conforto” – declarou Zélio Fernandino de Morais à revista Seleções de Umbanda. “Ditadas as bases do culto, o caboclo passou à parte prática dos trabalhos, curando enfermos. Antes do final da sessão, manifestou-se um preto velho, Pai Antônio, que vinha completar as curas.” A Umbanda, que nascera como síntese do espiritismo, do catolicismo, do candomblé e de religiões tupi-guaranis, se institucionalizava. Segundo a historiografia umbandista, em 1918 “o Caboclo das Sete Encruzilhadas recebeu ordens do Astral Superior para fundar sete tendas para a propagação da Umbanda.” Ao serem fundadas, até 1935, elas ganharam os seguintes nomes: Tenda Espírita Nossa Senhora da Guia, Nossa Senhora da Conceição, Santa Bárbara, São Pedro, Oxalá, São Jorge e Tenda Espírita São Jerônimo. Data dos anos 30 a expansão da Umbanda pelos estados do Rio, São Paulo e Rio Grande do Sul, principalmente. Como a violência e a brutalidade cercavam a religião brasileira, nas tendas e terreiros Ogum era cultuado como São Jorge, um santo católico. E assim aUmbanda cresceu, foi ganhando o Brasil.
“Nesta Casa de guerreiros, Ogum
Vim de longe pra rezar, Ogum
Rogo a Deus pelos doentes, Ogum
Na fé de Pai Oxalá, Ogum
Ogum salve a Casa Santa, Ogum
Os presentes e os ausentes, Ogum
Salve nossas esperanças, Ogum
Salve velhos e crianças, Ogum
Nego Velho ensinou, Ogum
Na cartilha de Aruanda, Ogum
E Ogum não esqueceu, Ogum
Como vencer a demanda, Ogum
A tristeza foi embora, Ogum
Na espada de um guerreiro, Ogum
E a luz do romper da aurora, Ogum
Vai brilhar neste Terreiro, Ogum”
A Umbanda tão verde e amarela continua se expandindo. Agora se espalha mais pelo mundo. Afirmou-se no início, trazendo às regiões urbanas as religiões dos deserdados e pobres de terra e da terra, os escravos africanos e caboclos sempre dizimados. Seus dias continuam sendo feitos de luta. Primeiro, enfrentou a fúria do catolicismo que ainda se dizia religião oficial. Sofreu cerrada perseguição do aparelho policial do Estado, que colocava seus praticantes no mesmo balaio anti-social onde estavam candomblecistas, sambistas, anarquistas, comunistas, ciganos, homossexuais e mais minorias indesejadas pelos poderosos. O centenário é de grande significado para a História. É momento de se saudar a Umbanda e repetir mais uma vez: sarava! Que soem os atabaques, que as vozes abram os trabalhos com o canto de tanta tradição!
“Eu abro a nossa Gira com Deus e Nossa Senhora
Eu abro a Nossa Gira, Sandorê e Pemba de Angola
Está aberta a nossa Gira com Deus e Nossa Senhora
Está aberta a nossa Gira Sandorê e Pemba de Angola”
Segundo o site do Parque Memorial Quilombo dos Palmares, “o nome Umbanda deve ter se originado do nome do Chefe do culto da Cabula, que se chamava embanda.” O Dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira diz: “Umbanda. Do quimbundo (idioma de Angola) umbanda, “magia”. Forma cultual originada da assimilação de elementos religiosos afro-brasileiros pelo espiritismo brasileiro urbano; magia branca.” Em suas bem expostas explicações, o site do Parque Memorial Quilombo dos Palmares descreve ainda que “a Umbanda e o Candomblé se popularizaram no Brasil, tornando-se símbolo da cultura religiosa brasileira. Seus cânticos foram popularizados na música de Dorival Caymmi e Martinho da Vila e na voz de Clara Nunes, nos livros de Jorge Amado e nas gravuras de Caribé e tantos outros artistas.” A Umbanda, por si só, tornou-se alvo de pesquisadores notáveis, como Arthur Ramos, Édison Carneiro, Roger Bastide, Luiz Costa Pinto, René Ribeiro, Ruth Landes e, mais recentemente, a antropóloga americana Diana Brown autora do livro “Umbanda – Politics of an Urban Religious Movement”, de 1974, até hoje sem tradução no Brasil.
“Oi não se mexe na espada de Ogum
Oi não se mexe na machada de Xangô
Oi não se mexe, nas flechas de Oxossi
Que lá na mata é Rei é caçador
Oi não se mexe, nas flechas de Oxossi
Que lá na mata é Rei é caçador”
Para Carlos Paes, babalorixá-chefe doTeu Lar Templo e Escola, “sincera e fraternalmente, fundamentalmente, a nossa Umbanda se baseia na existência de um Deus, Único, incognoscível, Criador, Onipresente, origem de todas as vibrações; na existência de Jesus, o Cristo, a quem chamamos Oxalá, modelo de perfeição e conduta que buscamos alcançar; na existência de vibrações no Universo que denominamos Orixás; na existência de entidades espirituais que se encaixam nessas vibrações; na existência de planos espirituais de evolução; na existência do espírito, sobrevivendo ao corpo físico do homem, em caminho de evolução e buscando aperfeiçoamento; na reencarnação e na lei kármica de causa e efeito; na prática da mediunidade sob as mais variadas apresentações, tipos e modalidades; na prática da caridade material e espiritual como meio de evolução; na crença de que o homem vive num campo de vibrações que influem em sua vida e que essas vibrações podem ser manipuladas quer para o seu próprio bem, como fazemos, ou para o seu próprio mal, como combatemos.” E Carlos Pés fecha assim o seu pensamento: “tudo isso é Umbanda, religião de fé, luz, caridade, esperança e, primordialmente, de amor ao próximo.”
Nos impressionantes e instigantes transes, particularmente das mulheres umbandistas no terreiro, é belo e admirável o dançar delas quando incorporadas pelas crianças, os espíritos infantis e brincalhões. Em movimentos graciosos elas se agitam de um lado para o outro, falando e conversando com os fiéis que as assistem. Muitos umbandistas dizem que elas nos livram da tristeza e da melancolia. Para a sua “subida”, e quase sempre muitas delas se recusam a cumprir as ordens da chefia do terreiro, é cantando um belo ponto carregado de ludismo.
“Voa, voa, voa pro céu Andorinha,
Leva os anjinhos pro céu andorinha…
Voa, voa, voa pro céu Andorinha,
Leva os anjinhos pro céu andorinha…”
O sociólogo Fernandes Portugal, em seu estudo “Umbanda, única religião nascida no Brasil” afirma que a dança, tão presente na religião, “expressa emoções, ameaças, afeto, alegrias, raiva, aprovação e recusa. (…) A Umbanda cultua a “magia do ritmo”, através da dança no seu gestual mimético em devoção aos Orixás e Almas. Ao mesmo tempo, ouvem-se as rezas cantadas, acompanhadas dos atabaques, agogôs, cabaças, violas… (…) Os cânticos falam da vida e da morte, alegrias e vitórias. Orientam os filhos de fé, advertem e aconselham. Homenageiam o Sol, a Lua, as estrelas, os montes, as florestas, os rios, as cachoeiras e o mar. Até mesmo, ensinam a viver. Tomemos, como exemplo, a reza dedicada ao orixá Ogun, como expressão do próprio orixá:
“Quando Ogun foi para a Guerra
Ele mandou orar, orar
Quando Ogun venceu a Guerra
Ele mandou orar, orar…
Orar, orar…
Orar, orar é Vencer!”
Segundo ainda Fernandes Portugal, “o crescimento interior do fiel umbandista baseia-se no seu intuito diário, particular e pessoal de se aliar às energias dos seus “pais de cabeça”, ou seja, dos seus dois orixás (somos filhos de todos os orixás com predominância de dois). Se observarmos, como exemplo, os filhos do orixá Ogum, “Senhor da Guerra e da Ordem”, verificamos que eles estão bem conscientes de que a guerra a ser vencida é a guerra contra suas próprias inferioridades. Uma guerra de muitas batalhas contra a própria inveja, ciúme, apego, violência e mesquinhez. Também lutam para conseguir o estabelecimento da Ordem no seu viver familiar, profissional e social. Luta sem quartel, sem descanso, contra os maus hábitos e costumes na vida de relação com a natureza e seus semelhantes.”
“Oxalá, meu Pai, tem pena de nós tem dó
As voltas do mundo é grande, seus poderes são maior
Oxalá, meu Pai, tem pena de nós tem dó
As voltas do mundo é grande, seus poderes são maior”
Nestes dias, a sempre heróica e perseguida Umbanda enfrenta o ódio declarado de evangélicos neopentecostais. Há um fogo cerrado contra ela, especialmente da chamada Igreja Universal do Reio de Deus, de Edir Macedo. Em junho deste ano, quatro jovens destruíram um centro de umbanda no bairro do Catete, no Rio de Janeiro, certamente incitados por gente como o pastor Adão José dos Santos, da Igreja Pentecostal dos Milagres que vociferou: “a Umbanda é a mentira”. A cultura e a inteligência viventes na Cidade Maravilhosa, no Brasil e mesmo no exterior, se indignaram e se puseram de pé. Uma gigantesca passeata foi feita pelo calçadão de Copacabana. Ali, de mãos dadas, estavam umbandistas, candomblecistas, católicos, judeus, budistas, maometanos, adeptos de outras religiões e ateus, para proclamar a liberdade de crença, neste país democrático e republicano.
O jornalista Arnaldo Bloch publicou, no site Globo Online, de 9 de junho de 2008, várias opiniões sobre a intolerância religiosa e o atentado ao templo. E referiu-se ao pastor dizendo que ele esqueceu-se “de que a violência é costumeiramente incitada com palavras como as suas”
Palavras vigorosas – de quem jamais se rende ao terror religioso – foram pronunciadas, no O Globo de 8 de junho, por Mãe Fátima Damas, da Congregação Espírita Umbandista do Brasil: “como presidente de uma casa que congrega 2.300 terreiros, há 46 anos, nunca me omito. Quando subi a escadinha, no Catete, senti uma punhalada no peito. São nossos ícones. O sagrado de um ser humano é coisa séria. Ninguém tem direito de tocar. (…) Ali tinha imagem de 80 anos, coisa que não se encontra mais. São objetos imantados, preparados pelas entidades fundadoras. No site do pastor que orientou aqueles rapazes tinha um vídeo em que ele instiga à violência. Já tirou do ar mas temos uma cópia. Antigamente os evangélicos não tinham problema com a gente. Era só a polícia. Isso começou com o bispo Macedo, uns 20 anos atrás. (…) Vou à luta. Dou a cara sem dó nem piedade. Se tivesse sido na minha casa aqui não ia ficar de graça, não. Ainda não tive oportunidade de conversar com as entidades espirituais. Mas já estive pensando, intuitivamente: será que a casa do Catete foi penalizada para que se pudesse, agora, remexer o caldeirão, para as coisas virem à tona, e, brotando, a gente poder caminhar em paz? Ou vai virar uma guerra santa? Se não cuidar, entorna.”
No dia 30 de março de 2008, o jornal Folha de S. Paulo entrevistou a antropóloga Diana Brown sobre seu livro e a história da Umbanda no Brasil. O repórter perguntou à cientista americana: “qual o papel do Zélio Fernandino de Moraes na construção da Umbanda?” Diana Brown respondeu: “ele e seu grupo conseguiram promover a imagem dessa Umbanda que foi chamada de Umbanda Branca. Foi um esforço para embranquecer e modernizá-la. O papel dele é simbólico, foi o porta-voz dessa “nova” Umbanda.” Zélio Fernandino de Morais morreu (desencarnou) no dia 3 de outubro de 1975, aos 84 anos de idade. Enquanto viveu ele dedicou a vida à religião brasileira, sem nada pedir em troca. Em sua homenagem, há festa e reconhecimento nas tendas e terreiros. Não faltará, nas sessões de honra, o Hino da Umbanda.
“Refletiu a Luz Divina
Com todo seu esplendor
Vem do reino de Oxalá
Onde há paz e Amor
Luz que refletiu na terra
Luz que refletiu no mar
Luz que veio de aruanda
Para tudo iluminar
A Umbanda é paz e amor
É um mundo cheio de Luz
É força que nos dá vida
E a Grandeza nos conduz
Avante filho de fé
Como a nossa lei não há
Levando ao mundo inteiro
A bandeira de Oxalá.”
obs:a Umbanda è a ùnica religiäo que é genuínamente brasileira,sendo uma mistura do catolicismo europeu,do candomblé africano e das culturas indígenas tupis-guaranis.
Eloy Santos · Rio de Janeiro, RJ

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